Ensino superior
Drama do fechamento de universidades pode atingir 200.000 estudantes
Cerca de 80 instituições de ensino superior podem ser descredenciadas pelo MEC, a exemplo do que ocorreu com a Universidade São Marcos
Nathalia Goulart
Estudantes da Universidade São Marcos protestam na Avenida
Paulista, em São Paulo, contra decisão do MEC que descredencia a
instituição (24/03/2012)
(Isadora Brant/Folhapress)
Estudante do sétimo semestre do curso de direito da Universidade São
Marcos, de São Paulo, Daniele Rebelo, de 29 anos, quase perdeu o chão ao
saber, no último dia 26, que a instituição seria fechada por
determinação do Ministério da Educação. A decisão parecia enterrar
muitos sonhos e também 20.000 reais em mensalidades pagas. Para
ressuscitá-los, Daniele precisou buscar a transferência para outra
universidade. A Uniban foi a escolhida, mas a opção não encerrou seu
drama. Para adequar-se à grade curricular da nova universidade, ela
precisará cumprir uma carga horária puxada: além de disciplinas
regulares, Daniele terá de assistir a aulas de outras dez matérias que
não faziam parte da graduação da São Marcos. "Com tantas aulas, não sei
como vou fazer para manter meu estágio na Defensoria Pública", diz. Uma
alternativa seria postergar a formatura, marcada para o fim de 2013, o
que daria mais tempo para o cumprimeiro do currículo. É uma alternativa
ruim, avalia Daniele, pois atrasaria sua entrada no mercado de trabalho.
Os problemas não param por aí. A mudança repentina exigiu o
afrouxamento de laços fraternais construídos com colegas de classe
durante os três primeiros anos de universidade. Daniele resume: "Ver
minha universidade fechar faltando pouco mais de um ano para a formatura
foi um susto terrível." Com pequenas variações, o drama de Daniele é o
mesmo vivido por todos os estudantes da São Marcos.Leia mais:
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Gustavo Ioschpe: cortar vagas é crime de lesa-pátria
As razões do fechamento da São Marcos misturam desempenho acadêmico ruim e má administração. O ocaso atinge pouco mais de 2.000 estudantes, que, como Daniele, devem ser transferidos para outras instituições até 26 de maio (uma determinação do MEC). Porém, a vida de muitos outros estudantes pode ser afetada por razões semelhantes. Ao menos 79 instituições de ensino superior de todo o país estão sob intervenção do MEC. Elas abrigam hoje 210.199 estudantes, de acordo com dados do último censo universitário. A exemplo da São Marcos, essas instituições obtiveram, nos três últimos anos, desempenho insatisfatório em avaliações do MEC (especialmente no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, o Enade) e por isso estão proibidas de ampliar o número de vagas ou de abrir novos cursos. Se na avaliação de 2012 não mostrarem resultados melhores, podem ser alvo de processo de descredenciamento. Sem reconhecimento oficial, os cursos dessas instituições não têm valor algum. Daí à falência, é um passo.
"Cobro diariamente da São Marcos os documentos de que preciso para a
transferência para outra instituição, mas é tudo muito confuso. Fiquei
na mão."
Isadora Dobalani, 20 anos, ex-estudante de direito da São Marcos
Espera-se que o MEC zele pela qualidade do ensino no país. No episódio da São Marcos, o ministério promete acompanhar a transferência de alunos de perto. "Caso a universidade não cumpra as determinações nos prazos estipulados ou não apresente pedido de dilação de prazo, fundamentada e justificada, o MEC tomará as providências cabíveis para garantir o cumprimento das medidas, inclusive responsabilizando seus representantes legais”, diz a assessoria de imprensa da pasta. Mas nem todos os especialistas concordam com a dosagem do remédio ou mesmo com o tratamento adotado pelo ministério para curar da doença da má gestão. O consultor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) Celso Frauches, por exemplo, diz que falta eficiência na fiscalização das universidades. "O Brasil conta com 30.000 cursos superiores e mais de 2.400 universidades. Os dispositivos de fiscalização do ministério não dão conta desse contingente", diz Frauches. "A principal ferramenta hoje é o Enade, uma prova nacional que ainda contém muitas falhas. As visitas in loco, que deveriam ser o centro das avaliações, ainda são pouco frequentes."
"Escolhi a São Marcos porque ela era a única a possuir um curso de
psicologia com base na teoria psicanalítica. Foi um investimento
financeiro e emocional. Agora, me sinto abandonado."
Rafael Munhoz, 26 anos, ex-estudante do 3º semestre da São Marcos
Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA, vai ainda mais fundo. Ele discorda da prática de fechar universidades ruins como método de aperfeiçoamento do sistema como um todo. Afinal, o fechamento de instituições conduz à redução do número de vagas, restringindo o acesso de estudantes (especialmente os das classes mais baixas) ao ensino superior. "O aluno que frequenta uma universidade mal avaliada não está sendo enganado, tampouco é burro. Ele o faz porque aquela é a melhor instituição em que ele conseguiu entrar, ou é a única que seu bolso pode pagar", diz Ioschpe (leia artigo sobre o tema). "Se essa vaga for cortada, ele não vai estudar na USP nem na FGV. Vai ficar sem estudar."
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