quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Alemanha: O Átomo e a Bactéria.


Klakar, o projeto de usina nuclear que virou parque de diversão
Desde 1969, quando a primeira usina atômica alemã entrou em operação, a energia nuclear nunca matou uma mosca no país. Ajudou sim, a Alemanha aniquilada na Segunda Guerra tornar-se a principal economia da Europa, motor de desenvolvimento industrial com fundo benemérito para amenizar crises financeiras e monetárias dos vizinhos. Em contrapartida, quando o governo da chanceler Angela Merkel, em uma reviravolta de 180 graus nas suas convicções, decidiu desativar gradualmente toda produção nuclear desligando as 17 centrais do país até 2022, mais de trinta alemães morreram em menos de 20 dias devido à ação de uma cepa nociva da bactéria Escherichia coli – o foco são brotos de feijão, segundo o Instituto Robert Koch.
A primeira lição de fácil aprendizado demonstra nas últimas quatro décadas o singular movimento dos ambientalistas alemães cujo fervor lembra o de uma seita verde e a ação flerta com  a sabotagem e a coerção, empenhando mais força no combate  à fonte inofensiva que faz funcionar as geladeiras do que  ao conteúdo letal que elas eventualmente conservam. A outra, menos prosaica, desrespeita fronteiras. Independente do ideário, alguns políticos escolhem a demagogia no lugar do comprovado, na razão direta do aumento das chances de permanecerem no governo. Neste particular, o oportunismo não aparta a fome e a vontade de comer, mas incentiva a falsa idéia de que ambos são exatamente a mesma coisa.
Merkel tenta conter o avanço eleitoral da oposição, o Partido Verde e o Social Democrata, que tomou o acidente nuclear em Fukushima como munição da hora contra a eletricidade produzida a partir do átomo para chegar à frente das eleições em 2013. A classe política alemã surfa na onda do temor da população de acontecer em casa algo semelhante ao que se viu alhures – 250 000 alemães foram às ruas para pedir o fim da produção de energia de origem nuclear. O receio tem fundamento? Ele é compartilhado? Quais são suas consequências? Vejamos nos parágrafos seguintes.
A usina de Daiichi, em Fukushima, ficou de pé apesar dos abalos sísmicos e do tsunami de intensidade nunca antes registrada. Os compartimentos dos três reatores não foram danificados pela fúria da natureza, mas porque o sistema de refrigeração deixou de operar provocando o derretimento das barras de combustível nuclear. Se o sistema  de refrigeração estivesse protegido pelos envelopes de cimento armado e aço como os reatores, a central nuclear japonesa estaria funcionando até hoje.
Seria insatisfatório do ponto de vista lógico atribuir à energia derivada do urânio a responsabilidade do controle de segurança inadequado, a terceirização de serviços em um setor tão sensível. Sobretudo, não vem do urânio a fragilidade de coordenação das instâncias públicas e privadas pouco habituadas a operar de forma transparente, situação que permitiu dissimular falhas operacionais como no caso japonês.
Um acidente de avião não coloca em questão os benefícios trazidos pelo transporte aéreo. Voar é progresso e necessidade, imperativo ainda que implique o desafio permanente da Lei da Gravidade. O que se recomenda depois dos acidentes de qualquer natureza é a implementação de medidas preventivas e reguladoras como monitoramento efetivo. Países como os Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e até a Ucrânia, onde está Chernobyl, palco do maior acidente nuclear, não tem planos para abandonar ou reduzir a produção de energia nuclear para fins pacíficos.
Para alguns países a carência de alternativas energéticas para impulsionar o crescimento econômico e, simultaneamente, reduzir a emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera faz da energia nuclear fonte incontornável e de difícil substituição. Na França, onde 75% da eletricidade vem das centrais nucleares, o custo de produção do megawatt por hora é de apenas 45 euros. Em contrapartida,  gasta-se 80 euros para produzir um megawatt por hora através de fonte eólica terrestre e se as torres gigantes dos moínhos modernos estiverem no mar, o megawwatt por hora sai por 150 euros. A energia solar é quase cinco vezes mais cara, 200 euros o megawatt por hora. E devido à sua condição intermitente, toda energia renovável precisa ser combinada com uma base energética constante. Ninguém confia em um hospital cuja a eletricidade depende exclusivamente de quando  bate sol ou  sopra o vento.
O caso da China é ainda mais eloquente para contrariar a percepção de que a decisão alemã fez o nuclear entrar em tempos sombrios. O que se assiste no país que mais cresce economicamente é uma espécie de renascimento do átomo como fonte geradora de energia. Até 2020, prevê-se que a capacidade de produção nuclear chinesa vai passar dos atuais 10, 1 gigawatts para 63,3 gigawatts. Aliás, quando a Alemanha desligar sua ultima central atômica, o resto do mundo estará produzindo mais de 30% do que hoje de eletricidade derivada do urânio.
A escolha alemã da qual vão a reboque Suíça e Itália vai tornar a conta de eletricidade para o consumidor final mais cara – o alemão já paga duas vezes mais que os vizinho francês. O país irá depender da compra de energia da França, o hub atômico europeu, e do gás russo que, por sua vez, fluirá como rege a tradição, de acordo com o humor dos ocupantes do Kremlin, doravante com um formidável meio de pressão política. O aumento da importação de carvão natural pesará na balança comercial alemã.
Jürgen Grossmann, presidente da gigante RWE, uma das cinco maiores companhias de fornecimento de eletricidade e gás da Europa com 70 000 empregados escreveu à chanceler Merkel reclamando de medidas de uma “eco-ditadura”. Em entrevista ao jornal Süddeutsche Zeitung, Grossman alertou: “A desindustrialização da Alemanha não virá de uma vez, será um processo gradual, mas em breve teremos que lidar com uma economia sem alguns setores industriais chaves, companhias como a BASF e Thyssen-Krupp não estarão aqui mais.”
Previa-se que os alemães iriam reduzir em 2020 a emissão de gases de efeito estufa em 40% em relação ao nível de 1990. Agora, as previsões mais otimistas não vão alem de 33%, segundo Stephan Kohler, chefe da Agência Energética da Alemanha. O fim das usinas nucleares na Alemanha responsáveis por 23% da eletricidade do pais e um lucro de 7,5 bilhões de euros  representará um acréscimo de 370 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
A dramática mudança na política energética alemã transformará a paisagem do país para pior com a construção de termoelétricas, torres eólicas, energia solar e não menos onerosas para o bolso da população: 3 500 quilômetros de linhas de transmissão. A capacidade de armazenamento atual deverá ser multiplicada por 500. A Alemanha renunciou definitivamente à sua independência energética e, por conseqüência, de modelo econômico de sucesso invejado, em troca de um princípio duvidoso.
Por Antonio Ribeiro

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