quarta-feira, 27 de julho de 2011

UM HOMEM DE CERTA IDADE.

Há, em algum lugar, na costa norte do Japão, uma espécie de macacos onde os mais jovens de um grupo, em determinado momento, perceberam que os frutos caídos no mar eram mais limpos e saborosos do que aqueles colhidos na praia, à custa da água salgada.
Desde então passaram, rotineiramente, a lavar os frutos antes de comê-los. Os macacos mais velhos, ao contrário, continuaram com o antigo hábito, não adotaram essa prática inovadora. Esse fato, quando estendido à nossa espécie, mostra que a maioria das pessoas mais velhas, de algum modo, apega-se aos costumes tradicionais, evidenciando certa resistência na aquisição de novas práticas. Isso acontece com muita frequência no campo das ideias, mas, também, no cotidiano mais simples.
Qualquer um de nós terá ouvido, apesar do crescimento exponencial da informática e, por consequência, das facilidades que trouxe para o dia a dia, um e outro dizerem que jamais tocarão em um computador e que abominam essa antipática engenhoca. Em contrapartida, crianças de muito pouca idade já a manuseiam com surpreendente facilidade.
Contudo, é sabido que a virtude não se equilibra nos extremos. Sempre imaginei que não fosse muito fácil envelhecer – há uma progressiva e insidiosa sensação de que as coisas já não mais estão nos seus devidos lugares, perderam-se, afinal. Torna-se inevitável a “atrofia do porvir” porque o mundo já não parece o mesmo, tornou-se distante, estranho – a esplendorosa nudez de Brigitte Bardot deu lugar ao rebolante e nada sensual “nu ginecológico”, a refinada e incomparável elegância de Audrey Hepburn perdeu o sentido diante dos modelos, deliberadamente escrachados das ladies gagas.
Li, recentemente, uma entrevista de Catherine Deneuve, onde pousava linda e exuberante, aos quase 70 anos. Mas o grande público se delicia quando uma relativamente jovem “artista” passeia entre os espectadores extasiados com a sua fornida silhueta e o seu linguajar estudadamente chulo.
A música popular há muito perdeu o lugar para um barulho burro e ensurdecedor. Nos campos de futebol, o que se vê é um desfile de bizarros penteados e pesados e extravagantes adereços a ocupar grande espaço do chamado pavilhão auditivo. De futebol mesmo, vê-se quase nada.
De modo que, para um homem de certa idade, é dolorosa a marca do tempo. Terá sido sempre assim? Geração após geração sucedendo-se aos trancos. Creio que não. Mas é certo que jamais se viu tanta mediocridade ser tão vibrantemente aplaudida. De modo que, nessa quadra da vida, para um homem de certa idade, é difícil saber de que modo o fruto fica mais saboroso.
Edgar Porto é psiquiatra.

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